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O agravo de instrumento e a antecipação dos efeitos da tutela recursal

O texto do artigo 527 do Código de Processo Civil, na redação que lhe foi atribuída pela Lei nº 10.352/2001, pôs definitivamente fim a uma controvérsia que se instalou no plano da doutrina e no da jurisprudência.

Até então era pacífico que o relator poderia conceder efeito suspensivo ao recurso, obstando provisoriamente a produção positiva dos efeitos da decisão agravada.

Todavia, exsurgia a dúvida: poderia o relator do recurso, com base nos artigos 527 e 558, conceder, ainda que provisoriamente, a própria providência positiva pleiteada pelo recorrente?

Hoje, a lei resolve e autoriza expressamente que assim seja, servindo-se da expressão “antecipação de tutela, total ou parcialmente, [da] pretensão recursal”.

O artigo 527, inciso III, contudo, não esclarece quais os requisitos para a antecipação referida.

Doutrina e jurisprudência que surgiram após a modificação do artigo 558 pela Lei nº 9.139/1995 admitiam a antecipação dos efeitos da tutela recursal pretendida, embora nem sempre pelos mesmos fundamentos.

É certo, porém, que os argumentos expostos pela doutrina e pela jurisprudência tiveram uma mesma base.

Com efeito, se a finalidade principal da modificação do artigo 558 foi a diminuição da utilização do mandado de segurança contra ato judicial, deve-se ao mesmo dispositivo atribuir uma interpretação teleológica que possibilite a aplicação também às decisões de cunho negativo.

Assim, o artigo 558 seria interpretado extensivamente, como possibilitando ao recorrente a obtenção da “providência ativa” pleiteada.

Eduardo Talamini denominou esse efeito, que existiria ao lado do efeito suspensivo previsto no artigo 558, de “efeito ativo”.

Já outros doutrinadores, entre os quais Cassio Scarpinella Bueno, optaram por designá-lo de “efeito suspensivo ativo”.

Os aspectos acima delineados foram minuciosamente abordados por Eduardo Talamini antes mesmo da alteração do artigo 527, inciso III: “Há casos em que a decisão impugnada deixou de conceder uma providência (ativa) pleiteada pelo recorrente. Em certas situações, há urgência na obtenção de tal providência. O simples futuro provimento do recurso contra sua denegação poderia vir a ser inútil – vez que já concretizado o dano que se pretende evitar. É precisamente o que se dá em relação às decisões que indeferem liminares em cautelares, em mandados de segurança, em possessórias. Também se enquadra nessa hipótese a decisão que, no processo de conhecimento, nega a antecipação de tutela fundada em risco de dano irreparável (CDC, art. 84, § 3.º; CPC, arts. 273, I, e 461, § 3.º). Enfim, é o que ocorre em todos os casos em que se nega uma tutela de urgência. (…) As mesmas razões que autorizam a suspensão da decisão impugnada, para que o eventual provimento do recurso não venha a ser inservível, justificam que, desde logo, conceda-se o resultado prático de seu provimento, nos casos em que sua realização, no final do procedimento recursal, seria inútil”.

Teresa Arruda Alvim Wambier encontra supedâneo para a antecipação da tutela recursal no próprio artigo 273 do Código de Processo Civil: “Entendemos que a previsão expressa do art. 527, inc. III, do CPC deve ser considerada mero desdobramento do instituto previsto no art. 273 do CPC, razão pela qual os requisitos a serem observados pelo relator deverão ser aqueles referidos neste dispositivo legal. O mesmo se pode dizer do art. 558 do CPC, como já se ressaltou na jurisprudência”.

O pedido pode, destarte, ser formulado em atenção aos parâmetros estabelecidos no artigo 273, uma vez que o artigo 527, inciso III, nada dispôs a respeito dos requisitos para a concessão da antecipação da tutela recursal.

Aliás, assim não poderia deixar de ser, até mesmo em razão do princípio constitucional da isonomia.

Afinal, a parte que não obtém a providência pleiteada não pode ficar em situação de desvantagem em relação àquela que recorre de decisão que concedeu a providência a seu ex-adverso, obtendo, hipoteticamente, efeito suspensivo.

Esta disparidade de tratamento não se harmonizaria com o sistema processual vigente, sendo correto considerar-se que a parte possa obter provimento equivalente, ainda que com base em outro dispositivo legal.

A Lei nº 10.352/2001, portanto, corrigiu a disparidade que havia no Código de Processo Civil.

Observe-se, por fim, que, sendo ou não concedido o efeito suspensivo (com fulcro no artigo 558) ou a antecipação dos efeitos da tutela recursal (com suporte no artigo 527, inciso III, combinado com o artigo 273, inciso I) pelo relator, estar-se-á diante de decisão que, à luz da Lei nº 11.187/2005, é irrecorrível.

Poderá a parte, no entanto, consoante doutrina majoritária, manjar mandado de segurança contra a aludida decisão.

Bibliografia:

Cassio SCARPINELLA BUENO. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais; sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2008.

Eduardo TALAMINI. A nova disciplina do agravo e os princípios constitucionais do processo. RePro 80/125-147.

Teresa Arruda Alvim WAMBIER. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.