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A possibilidade de desistência de recurso já incluído em pauta de julgamento

Conforme veiculado pelo “Valor Econômico” no último dia 26 de maio, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça analisou a possibilidade de a recorrente desistir do recurso aforado após a inclusão em pauta de julgamento.

No caso examinado pela matéria jornalística, a recorrente requereu em 23 de setembro de 2013 a desistência do recurso interposto, justamente um dia após a inclusão em pauta de julgamento, o qual ocorreria em 1º de outubro de 2013.

Em seu voto, a Ministra Nancy Andrighi – instaurando a divergência – considerou que “a desistência após a publicação da pauta pode impedir que temas importantes sejam apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça.”

E prosseguiu a magistrada: “O pedido de desistência não deve servir de empecilho para que o Superior Tribunal de Justiça prossiga na apreciação do mérito recursal, consolidando orientação que possa vir a ser aplicada em outros processos versando sobre idêntica questão de direito.”

Outro aspecto foi aventado no voto divergente, qual seja: “A desistência tem o poder de influenciar a atividade do tribunal, e, em última instância, permite que as partes manipulem a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre determinados assuntos. Isso ocorreria, por exemplo, com empresas ou pessoas físicas que atuam em vários processos sobre um mesmo tema. Ao desistir de recursos, a parte conseguiria fazer com que uma turma deixasse de analisar determinado assunto, e isso poderia fazer com que o tema não chegasse à seção, já que não haveria posicionamentos em sentido oposto.”

No arremate, a Ministra Nancy Andrighi assim se posicionou: “Em síntese, deve prevalecer, como regra, o direito da parte à desistência, mas verificada a existência de relevante interesse público, pode o relator, mediante decisão fundamentada, promover o julgamento do recurso especial para possibilitar a apreciação da respectiva questão de direito, sem prejuízo de, ao final, considerar prejudicada a sua aplicação à hipótese específica dos autos, diante da desistência.”

O entendimento firmado pela divergência foi compartilhado pelo Ministro Sidnei Beneti.

Tomados os votos, o julgamento restou empatado.

Para definir a questão, convocou-se o Ministro Marco Buzzi, com assento na 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que acompanhou a relatoria.

De acordo com a convicção do magistrado, “não se mostra viável impedir uma faculdade legítima da parte sob a alegação de que a desistência de recurso pode constituir uma estratégia processual.”

A solução alcançada pelo Superior Tribunal de Justiça é indubitavelmente correta.

Dispõe o artigo 501 do Código de Processo Civil que: “O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso.”

Diferentemente da renúncia, a desistência do recurso pode ser conceituada como a abdicação expressa da posição processual, alcançada pelo recorrente, após a interposição do recurso.

Trata-se, à evidência, de ato voluntário abdicativo dependente da exclusiva vontade de quem se valeu de qualquer meio de impugnação.

Sob a égide do Código de Processo Civil em vigor, a desistência da ação não se confunde com a do recurso, pois aquela, para ser eficaz, após ter decorrido o prazo de resposta, exige o consentimento do réu (artigo 267, parágrafo 4º), uma vez que este pode ter interesse no julgamento de mérito.

A desistência do recurso, pelo contrário, não é condicionada a qualquer atitude do outro litigante, visto que, diante de uma decisão adversa, quem desiste do recurso que interpôs, a rigor, beneficia o vencedor, ainda que tenha ele manejado recurso adesivo.

Importa esclarecer que esta tem sido a orientação que sempre prevaleceu na jurisprudência, mesmo no âmbito das denominadas ações constitutivas necessárias, ou seja, que têm como objeto direito indisponível (como, por exemplo, anulação de casamento, investigação de paternidade etc.).

Como o processo civil de conotação liberal é governado pelo princípio da demanda, em especial, nos países democráticos, a autonomia da vontade das partes deve se sobrepor a qualquer espécie de interpretação judicial autoritária, que contrarie a letra da lei.

O Código de Processo Civil não traça qualquer distinção entre os meios recursais, para que se possa interpretar incabível a desistência de recursos extraordinário e especial.

Ademais, quanto ao momento da desistência do recurso, a tendência da doutrina e dos tribunais é a de admiti-la até antes de seu julgamento, por petição, ou, ainda, mesmo quando já iniciado, em eventual sustentação oral ou, por exemplo, após a leitura do voto do relator, havendo pedido de vista dos demais integrantes da turma julgadora.

Concluo que a desistência do recurso é prerrogativa do recorrente e jamais se subordina ao crivo do tribunal.