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A finalidade dos embargos de divergência

A Constituição Federal outorgou funções uniformizadoras ao Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, e ao Superior Tribunal de Justiça, no tocante ao direito federal.

Para atender a essa finalidade a Carta Magna instituiu, respectivamente, o recurso extraordinário e o recurso especial, cada qual manejado dentro dos limites objetivos e subjetivos do caso concreto.

Observe-se que dentre as hipóteses de cabimento do recurso especial figura, justamente, o caso de dissídio entre diferentes tribunais de segundo grau de jurisdição (artigo 105, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal).

É óbvio que a missão constitucional nem sequer se iniciaria na hipótese de os respectivos órgãos fracionários dos tribunais de sobreposição, perante situações de direito similares, se desentendessem internamente na formulação das teses jurídicas.

Ou seja, o desempenho da função atribuída aos tribunais superiores pressupõe a condição de eles próprios uniformizarem a respectiva jurisprudência.

A finalidade dos embargos de divergência reside exatamente nesse contexto.

É necessário assinalar, conforme o faz Araken de Assis, que, “ingressando o tribunal superior no exame de questões de fato, o campo da divergência pode abandonar a área natural das teses jurídicas”.

Daí porque o Superior Tribunal de Justiça, que reiteradamente reexamina a quantia fixada a título de indenização por danos morais, viu-se verdadeiramente compelido a excluir tal matéria do âmbito dos embargos de divergência, sob pena de ensejar o cotejo de valores (Súmula 420 do Superior Tribunal de Justiça).

Os embargos de divergência representam, nesse sentido, imperativo da incumbência constitucional dos tribunais superiores.

O recurso se impôs, inexoravelmente, a partir da divisão dos tribunais em turmas.

Essa particularidade, como ensina Araken de Assis, “explicará algumas hipóteses de admissibilidade, ou não, do recurso, a exemplo da alteração da composição ou da mudança da competência originária”.

Distinguem-se os embargos de divergência, no entanto, dos seus parcialmente homônimos embargos infringentes.

Para efeito de embargos de divergência não importa o desentendimento “interna corporis” do órgão fracionário, mas sim a do tribunal, “tout court”.

Outra diferença está consubstanciada no objeto da discordância, que, no caso dos embargos de divergência, está restrita a matérias de índole constitucional ou federal.

Cite-se, ademais, a possibilidade de a discordância nos embargos de divergência se referir a questões de mérito ou não, diversamente dos embargos infringentes, cujo espeque se limita somente a matérias de mérito.

A incerteza da jurisprudência proveniente dos órgãos encarregados de uniformizar a interpretação e a aplicação das normas constitucionais e federais repercute, necessariamente, em todas as esferas da Justiça.

O uso indevido dos embargos de divergência, segundo as estatísticas disponíveis, que indicam a rejeição da grande maioria por motivos inerentes à admissibilidade, não é problema que lhe seja específico.

A interposição de recursos fadados ao desprovimento constitui fenômeno geral e mais intenso nas instâncias ordinárias.

Não se formulou, ainda, mecanismo eficiente para coibir tal prática, a qual, aliás, o artigo 17, inciso VII, do Código de Processo Civil elevou à condição de comportamento processual reprovável.

Note-se que a já aventada substituição dos embargos de divergência pelo incidente de uniformização da jurisprudência, aliás raramente utilizado nos tribunais inferiores, somente agravaria o quadro, correndo-se o risco, hoje inexistente, de a relutância dos juízes em acolher o incidente consolidar a divergência de entendimento dos tribunais de sobreposição.

Bibliografia: Araken de ASSIS. Manual dos recursos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.