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As Construtoras e a Deturpação da Cláusula de Tolerância

Uma problemática recorrente no âmbito dos “Instrumentos de Compra e Venda de Unidades Residenciais” firmados entre construtoras e particulares, está justamente no descumprimento contratual por parte das construtoras, notadamente em relação ao prazo para entrega das unidades alienadas.

Não obstante a inquestionável legalidade da cláusula de “tolerância” normalmente pactuada, sua utilização de forma desenfreada, sem qualquer critério, como se fosse um “plus” às construtoras, tem se mostrado um ato ilegal.

O objetivo da referida cláusula é resguardar o direito das construtoras que, independente de terem tomado todas as medidas necessárias para o efetivo cumprimento do prazo contratual, por circunstâncias alheias que fogem ao seu controle, não conseguem cumpri-lo.

Exemplos disso são os casos fortuitos não imputáveis às construtoras, como fenômenos da natureza e a reconhecida falta de material necessário no mercado (como um todo), dentre outros fatos imprevisíveis.

Por essa razão, para que adentrem no prazo previsto na cláusula de “tolerância”, entendemos que as construtoras devem demonstrar aos adquirentes, de forma pormenorizada, as circunstâncias que as levaram a se valerem desta prerrogativa contratual. Uma vez demonstrada que referida utilização se deu por circunstâncias efetivamente imprevisíveis, que fogem do escopo das suas atividades, a cláusula de “tolerância” será válida.

Entretanto, tem sido costumeira a deturpação da referida cláusula. As construtoras dela se utilizam como se fosse o exercício potestativo de um direito não reconhecido pela lei ou pelo contrato. Utilizam o prazo adicional como se não existisse previsão contratual para a entrega da unidade comercializada. Ao não dar qualquer justificativa quanto ao não cumprimento do prazo pactuado, as construtoras acabam por descaracterizá-lo, tratando-o como se fosse letra morta.

Agindo de tal forma, colocam-se em vantagem exagerada sobre seus consumidores, já que, ao final, descumprem o prazo convencionado como se isto fosse um direito inquestionável, prescindível de qualquer justificativa válida. Com esta postura, as construtoras ferem frontalmente o princípio da boa-fé, tornando aplicável, a nosso ver, a norma prevista no artigo 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor, que reputa nula a cláusula que estabelece vantagem exagerada ao fornecedor em desfavor do consumidor.

A aplicação do dispositivo acima se reforça se considerarmos que o consumidor adquirente, ao atrasar o cumprimento de qualquer obrigação contratual, ou mesmo, o pagamento de uma das parcelas a que se obrigou, sofrerá as consequências de sua impontualidade e será penalizado com multa, juros, correção monetária etc.

Em vista disso, considerando que a maioria maciça da jurisprudência reputa válida a condenação de construtoras no pagamento de “lucros cessantes”, calculados como um aluguel por mês de atraso na entrega da unidade alienada (normalmente 0,5% a 0,7% do valor do bem), e considerando ainda que a aplicação da cláusula de “tolerância” não deve ser automática, sendo imprescindível, para a sua aplicação, a demonstração da inevitabilidade do atraso por circunstâncias alheias às construtoras, entendemos que, salvo nas hipóteses de validade na utilização do prazo de tolerância, a mora das construtoras, especialmente para cálculo dos “lucros cessantes” decorrentes do atraso na entrega das unidades residenciais, terá início com o decurso do prazo estabelecido no contrato para a efetiva entrega da unidade alienada.

Este entendimento, à revelia do que têm decidido algumas Câmaras dos Tribunais Pátrios, fará com que as indenizações decorrentes dos atrasos sejam substancialmente aumentadas, com a consequente adoção de posturas mais sérias das construtoras perante os consumidores, especialmente em relação à obediência dos prazos pactuados.