No cenário atual de planejamento patrimonial, não basta contar apenas com estruturas tradicionais — holdings familiares, offshores, trusts ou sucessão internacional. A legislação brasileira passou por mudanças relevantes que alteram o panorama tributário de pessoas físicas residentes no Brasil com patrimônio ou investimentos no exterior. Em especial, a Lei 14.754/2023, sancionada em dezembro de 2023, e a IN RFB 2.180/2024, publicada em março de 2024 pela Receita Federal do Brasil (RFB), são marcos para que quem tem exposição internacional repense suas estruturas.
Este artigo aborda as novas regras para trusts e offshores, a tributação de ativos no exterior e os efeitos sobre o IRPF e sucessão internacional — com visão prática para o planejamento patrimonial atualizado.
Novas regras para trusts e offshores
A Lei 14.754/2023 define com clareza conceitos e obrigações relativos a entidades controladas no exterior, aplicações financeiras fora do Brasil e, notadamente, estruturas típicas de common law como os trusts — tantas vezes usadas no planejamento patrimonial internacional.
Alguns dos pontos-chave são:
- Reconhecimento jurídico-tributário do trust:
A nova lei passou a considerar que, no caso de trust instituído no exterior com beneficiário residente no Brasil, há obrigação de declaração e tributação mesmo que a distribuição ainda não tenha ocorrido ou seja incerta.
- Tributação automática de lucros/acúmulos em entidades controladas no exterior:
Para offshores localizadas em países de tributação favorecida ou que apurem renda ativa inferior a 60 % da renda total, os lucros apurados serão tributados por competência, ou seja, independentemente da distribuição ao beneficiário residente no Brasil.
- Opção de regime de transparência fiscal:
O contribuinte pessoa física pode optar por que a entidade controlada no exterior seja tributada como se os bens/direitos fossem detidos diretamente por ele (regime transparente). Esse regime exige eleição dentro dos prazos e implica efeitos permanentes.
- Atualização facultativa de ativos no exterior:
A lei admite que o contribuinte atualize o custo de aquisição de bens/direitos localizados no exterior para o valor de mercado à data de 31 de dezembro de 2023, pagando IRPF à alíquota de 8 % sobre a diferença. Essa provisão tem impacto direto em planejamento sucessório e patrimonial.
- Foco claro na transparência e titularidade real (ultimate beneficial owner – UBO):
A RFB tem interpretado que, nos casos de trusts, mesmo a mera expectativa de direito ao patrimônio constitui condição de beneficiário e, assim, sujeita à tributação.
Implicações práticas para planejamento patrimonial
Para famílias com trusts no exterior ou offshores, é imperativo revisitar o instrumento constitutivo, os beneficiários identificados e qual regime foi eleito ou será eleito, pois o erro pode implicar tributação antecipada ou obrigações de compliance inesperadas.
Estruturas que visavam postergar a tributação até a distribuição agora podem estar obsoletas ou demandar nova análise estratégica.
A opção pela atualização de ativos ao valor de mercado (alíquota de 8 %) pode fazer sentido em operações de sucessão ou reorganização patrimonial, mas exige análise individualizada de custo, tempo, localização e impacto tributário.
É necessário checar contratos sociais, acordos de quotistas e documentação custodiada no exterior, identificar beneficiário final e efeitos de “beneficiário a título de expectativa”, para evitar surpresas com a RFB.
Tributação de ativos no exterior
A tributação de ativos mantidos fora do Brasil por pessoas físicas residentes mudou substancialmente com a Lei 14.754/2023 e com a IN RFB 2.180/2024.
Principais aspectos:
- Rendimentos de aplicações financeiras no exterior (depósitos remunerados, certificados, títulos, derivativos, criptomoedas etc.) agora estão sujeitos ao IRPF à alíquota de 15 % sobre a parcela anual desses rendimentos.
- Lucros e dividendos de entidades controladas no exterior devem ser declarados separadamente dos demais rendimentos e seguem a mesma alíquota de 15 %.
- A IN RFB 2.180/2024 traz clareza sobre a tributação de ativos virtuais ou custodiados no exterior, que passam a ser tratados como aplicações financeiras no exterior.
- A variação cambial de depósitos não remunerados ou de moeda estrangeira em espécie tem regras específicas de isenção até determinado limite (US$ 5 000,00) ou desde que não remunerados.
- A opção de atualização de bens/direitos no exterior (alíquota de 8 %) é mecanismo transitório relevante para quem pretende fazer reorganização patrimonial ou sucessão internacional.
Implicações para planejamento patrimonial
Portfólios com exposição fora do Brasil (investimentos diretos, holdings, ativos digitais, trusts, offshores) devem ser revistos à luz da nova tributação, para avaliar se o regime de caixa ou de competência (lucro apurado pela entidade) é mais adequado.
Deve-se considerar a possível antecipação da tributação, os custos de compliance global e a necessidade de contabilização e documentação internacional (balanços, auditoria, consolidação).
Em casos de sucessão internacional, em que bens ou direitos no exterior serão transmitidos a herdeiros, as regras de tributação aparecem de forma mais agressiva — e há necessidade de planejamento com olhar integrado (tributário + sucessório + societário).
O prazo para opção, por exemplo pela atualização, já se encerrou em 31/05/2024. Quem não aderiu naquele prazo ainda pode ter implicações de estoque e de risco diferido.
Efeitos no IRPF e na sucessão internacional
As novas regras impactam diretamente tanto o imposto de renda das pessoas físicas (IRPF) quanto a estruturação de planejamento sucessório com exposição internacional.
- No IRPF
A obrigação de declarar rendimentos e lucros de entidades controladas no exterior de forma separada e à alíquota fixa de 15 % implica que o planejamento deve contemplar o impacto na alíquota efetiva, no momento da tributação e na lógica de diferimento que se pretendia anteriormente.
A necessidade de tributação anual (ou conforme competência) das entidades controladas no exterior significa que o contribuinte pode vir a ter exigência tributária mesmo sem ter recebido fisicamente os recursos.
- Na sucessão internacional
Quando há transmissão de bens ou direitos para herdeiros residentes ou não no Brasil, ou bens localizados no exterior, o planejamento deve levar em conta que trusts ou offshores não são mais estruturas blindadas e que a expectativa de direito já pode gerar obrigação de tributação.
Há também impacto no imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) no âmbito estadual, que deve ser avaliado em conjunto com o planejamento patrimonial internacional.
Quem possuía estruturas patrimoniais internacionais para facilitar a transmissão de bens ou reduzir custos sucessórios deve reavaliar se essas estruturas ainda entregam os benefícios esperados.
A identificação de beneficiários finais, a documentação do propósito da estrutura, a análise das legislações estrangeira e brasileira e o tratamento contábil-tributário internacional tornaram-se indispensáveis.
É importante considerar que eventuais herdeiros residentes no Brasil estão sujeitos às regras da legislação vigente — de modo que a sucessão internacional, por meio de trusts ou offshores, não pode mais ser tratada como “fora do radar” fiscal.
O planejamento patrimonial e sucessório agora exige integração mais forte entre consultoria tributária, societária e de direito internacional privado.
Recomendações práticas
Para o público HNWI que pauta seu planejamento patrimonial em bases sólidas, as mudanças da Lei 14.754/2023 e da IN RFB 2.180/2024 constituem um momento de revisão estratégica.
- Mapear todas as estruturas existentes: offshores, holdings no exterior, trusts, participações societárias estrangeiras, aplicações financeiras fora do Brasil e carteiras digitais ou ativos virtuais.
- Verificar qual regime se aplica (competência ou caixa), se houve opção válida pelo regime de transparência fiscal e quais implicações existem para a tributação anual.
- Avaliar a atualização de ativos no exterior (custo × benefício) em função da alíquota de 8 % oferecida pela lei como mecanismo de transição, considerando o prazo já encerrado e riscos de passivo fiscal.
- Revisar a documentação societária, de trust e de holdings: instituidor (settlor), beneficiários, regime eleito, registros e controles de compliance internacional.
- Planejar a sucessão internacional de modo integrado, considerando simultaneamente direito brasileiro (IRPF, ITCMD) e direito estrangeiro, avaliando se a estrutura ainda atende aos objetivos de proteção e governança familiar.
- Atualizar a governança patrimonial: políticas de compliance, due diligence periódica, prestação de contas e transparência internacional, em linha com o intercâmbio automático de informações (UBO, CRS, FATCA).
- Acompanhar a jurisprudência e as soluções de consulta da RFB, especialmente sobre trusts e estruturas híbridas, como a Solução de Consulta COSIT nº 75/2025, que antecipa obrigações fiscais com base na expectativa de direito.
Quem acreditava estar com o patrimônio devidamente estruturado deve aproveitar este momento de transição para auditar, corrigir, atualizar e revalidar suas estratégias.
Ignorar as alterações pode resultar em exposição a passivos fiscais, perda de benefícios esperados e fragilidade na governança patrimonial familiar.
Este texto foi desenvolvido com o apoio de uma ferramenta de inteligência artificial.
