A definição de família é, hoje, um dos grandes desafios do Direito contemporâneo. Isso porque a família deixou de ser um conceito único e tradicional para se tornar plural, sendo reconhecida em suas diversas formas pelo Estado brasileiro. O casamento, a união estável e a família monoparental são expressões legítimas desse reconhecimento, que acompanha as transformações sociais, culturais e afetivas da sociedade.
Com a evolução dos costumes e o surgimento de múltiplos arranjos familiares, novas formas de convívio passaram a gerar efeitos jurídicos, exigindo do ordenamento respostas adequadas às complexidades da vida privada. Nesse contexto, distinguir o namoro qualificado da união estável tornou-se tarefa delicada e, muitas vezes, controversa.
Quando o amor vira uma entidade familiar?
A união estável é uma figura jurídica consolidada, embora aberta em sua definição. Prevista no artigo 1.723 do Código Civil, exige convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família. Não se trata, portanto, de um simples vínculo afetivo, mas de uma entidade familiar que emerge da comunhão de vidas.
A configuração da união estável depende de elementos objetivos e subjetivos. Entre os primeiros, destacam-se a estabilidade temporal da relação, a notoriedade social do vínculo e a convivência contínua. Entre os subjetivos, sobressaem a intenção mútua de constituir família e a lealdade recíproca — esta última não restrita à fidelidade sexual, mas compreendida como dever de transparência e honestidade entre os parceiros.
Além disso, a existência de filhos, a coabitação, o compartilhamento de despesas e a assistência mútua, ainda que não sejam requisitos indispensáveis ou isoladamente determinantes, reforçam o reconhecimento de um núcleo familiar. A dependência econômica, por exemplo, também é um forte indicativo: quando uma das partes provê o sustento da outra, há indício claro de solidariedade típica da vida em comum.
Importante destacar que a ausência de formalização da união estável não afasta seus efeitos jurídicos, embora, nesse caso, incida o regime da comunhão parcial de bens. A formalização, contudo, permite aos companheiros a escolha de regime diverso, conferindo maior segurança jurídica à relação.
E o namoro, onde se encaixa?
O namoro, por sua vez, não configura entidade familiar e, por isso, não produz efeitos jurídicos patrimoniais. É uma relação protegida pela autonomia privada e, justamente por isso, desprovida de implicações como partilha de bens, alimentos ou direitos sucessórios.
Contudo, o fenômeno social conhecido como namoro qualificado tem provocado debates relevantes. Trata-se de um relacionamento duradouro, sério, público e, por vezes, marcado pela convivência e pela interdependência emocional. Ainda assim, carece do elemento essencial da união estável: o compromisso de formar família.
Nesse estágio, o casal pode frequentar ambientes sociais juntos, viajar, dividir gastos e até morar sob o mesmo teto — o que, por si só, não configura união estável. Tudo dependerá da análise do conjunto da obra, da forma como o casal se apresenta perante terceiros e da prova da chamada affectio societatis.
O contrato de namoro: uma ferramenta preventiva?
Diante da insegurança jurídica gerada por essa tênue distinção, muitos casais têm recorrido ao contrato de namoro. Nele, as partes declaram expressamente que mantêm uma relação afetiva, mas sem o propósito de constituir família. O referido instrumento não tem previsão específica, mas tem sido admitido pela jurisprudência como prova da intenção das partes.
Outrossim, o contrato de namoro pode conter cláusula prevendo que, em caso de evolução da relação para uma união estável, será adotado determinado regime de bens, antecipando eventuais controvérsias futuras.
Além do contrato de namoro, outras formas de ajuste contratual têm surgido para disciplinar relações que não visam à constituição de uma entidade familiar, como é o caso dos chamados “contratos sugar”, frequentemente utilizados em arranjos onde se pactuam, de forma clara, os termos da convivência, o suporte material e a ausência de implicações jurídicas familiares.
O que dizem os tribunais?
As decisões judiciais têm se orientado por critérios objetivos e subjetivos. A ausência de coabitação não afasta, por si, a união estável, como reforçado pela Súmula 382 do STF. Por outro lado, namorados podem morar juntos sem que se configure entidade familiar, desde que não haja elementos que revelem comunhão de vida.
A prova, nesse campo, é determinante.
Documentos como contas conjuntas, apólices de seguro com indicação de beneficiário, recibos de despesas compartilhadas, declarações públicas, testemunhos e mensagens eletrônicas podem confirmar (ou afastar) a existência de uma união estável.
Considerações finais
A ausência de formalização clara e a eventual divergência de expectativas entre os parceiros tornam frágeis tanto a união estável quanto o namoro qualificado. Quando levadas ao Judiciário, essas relações são analisadas a partir de critérios objetivos e subjetivos, sendo a prova o principal instrumento de convencimento.
Em um cenário de múltiplas possibilidades de convivência afetiva, é recomendável que as partes reflitam sobre os efeitos jurídicos do vínculo mantido e, se necessário, adotem instrumentos de formalização que expressem com clareza sua vontade.
O Angélico Advogados conta com equipe especializada na matéria objeto do tema deste artigo, colocando-se à disposição para discutir quaisquer questões a ele relativas.
Andrea Angélico Massa | Dominique Euzébio Ferreira