A Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006, ao inserir no Código de Processo Civil o procedimento relativo à análise da repercussão geral no recurso extraordinário, contemplou a possibilidade de intervenção do “amicus curiae”.
Com efeito, dispõe o artigo 543, parágrafo 6º, do Código de Processo Civil que:
“O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”.
Por sua vez, a Lei nº 11.672, de 08 de maio de 2008, ao disciplinar o julgamento de recursos especiais repetitivos, previu regra análoga.
Assim, o artigo 543-C, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil reza que:
“O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia”.
É indubitável que não se trata – em nenhuma das regras – de previsão de intervenção de terceiros na qualidade de assistente.
Como se sabe, o interesse que justifica a intervenção do assistente, tanto na modalidade simples como litisconsorcial, é exclusivamente jurídico (artigo 50 do Código de Processo Civil).
A rigor, trata-se de interesse eminentemente individual, conforme se infere do clássico exemplo fornecido por Athos Gusmão Carneiro “do tabelião que requer ser admitido como assistente do réu em ação proposta para anular, por defeito formal, a escritura pública que redigiu. Se procedente a demanda, surgirá, em tese, em favor do interessado na validade da escritura, pretensão indenizatória contra o notário”.
A intervenção do “amicus curiae” no âmbito do julgamento do recurso especial repetitivo e da análise da repercussão geral do recurso extraordinário, com fundamento nos dispositivos acima transcritos, também se justifica por um interesse jurídico, mas não meramente individual.
Consoante ensina Ricardo de Barros Leonel, “é um interesse transcendente: está associado à própria eficácia também transcendente – da decisão do tribunal superior”.
Ou seja, quando o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal julga uma tese jurídica (questão federal ou questão constitucional) cujo entendimento será aplicado a todos os demais casos similares, é imperativa a complementação de um contraditório democrático, com a concessão de oportunidade para a participação de terceiros a fim de legitimar a eficácia da decisão.
Destinatários da tese fixada pelo Tribunal de sobreposição, que não são partes no processo no qual se dará a respectiva fixação, devem, de alguma forma, ter a possibilidade de influenciar no resultado do julgamento.
Nas palavras de Antonio Janyr Dall’Agnol Junior, Daniel Ustárroz e Sergio Gilberto Porto, “compete à sociedade civil organizar-se, para, a partir de associações, sindicatos, federações, postular seu ingresso no procedimentos em tramitação. O relator, tal como a lei determina, admitirá a participação dessas instituições, desde que sérias e respeitadas pelo corpo social. Novos pontos de vista, inéditos nos autos, muitas vezes antagônicos, serão trazidos para consideração, permitindo a compreensão globalizada da controvérsia”.
O “amicus curiae” exerce o destacado papel de ampliar o acesso à justiça, permitindo que a sociedade civil, por meio de atores idôneos, possa contribuir para a formação dos provimentos judiciais.
O sucesso encontrado pelo instituto nos ordenamentos da “common law” é um indicativo para a sua válida aplicação nos sistemas da “civil law”.
Em ambas as tradições, no atual momento histórico do constitucionalismo, existe acentuada preocupação com a proteção dos direitos fundamentais.
Sem a participação dos cidadãos nos recursos de sobreposição, como afirma Cassio Scarpinella Bueno, “restrita será a chance de conseguirmos uma aplicação democrática do direito, aspiração superlativa da sociedade contemporânea”.
Bibliografia:
Athos Gusmão CARNEIRO. Intervenção de terceiros. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
Cassio Scarpinella BUENO. Amicus curiae no processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
Ricardo de Barros LEONEL. Recursos de sobreposição: novo procedimento e intervenção do amicus curiae. “In” O terceiro no processo civil brasileiro e assuntos correlatos – Estudos em homenagem ao Professor Athos Gusmão Carneiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
Antonio Janyr DALL’AGNOL JUNIOR, Daniel USTÁRROZ e Sergio Gilberto PORTO. Afirmação do amicus curiae no direito brasileiro. “In” O terceiro no processo civil brasileiro e assuntos correlatos – Estudos em homenagem ao Professor Athos Gusmão Carneiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
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