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Da Titularidade Do Crédito Resultante Da Incidência Das Astreintes No Novo Código De Processo Civil

As “astreintes” foram incorporadas ao Código de Processo Civil pela Lei 8.952/94, estando expressamente previstas no seu art. 461, §4º.

O objetivo das “astreintes” pode ser deduzido como um meio de coerção psicológica do devedor, para forçar o cumprimento de uma determinada obrigação.

Dada a natureza coercitiva, a multa visa o cumprimento da obrigação, nunca a questão reparatória.

Com efeito, há uma série de consequências que influenciam diretamente na aplicação do instituto.

Umas das consequências da aplicação das “astreintes” é que o Autor detém a titularidade do crédito.

Vale lembrar que, atualmente, o valor da multa periódica se reverte para o autor, com fulcro no artigo 601 do Código de Processo Civil, aplicado por analogia.

Se isso não bastasse, é praticamente pacífico o entendimento na doutrina e na jurisprudência de que o autor é o titular do crédito.

Para essa corrente, a atribuição da titularidade do crédito ao autor contribui de forma decisiva para sua força coercitiva (TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC, art.84. São Paulo: ED. RT, 2001).

No entanto, o problema está justamente na destinação deste crédito, já que a incidência da multa não está condicionada ao valor da obrigação que é objeto da ação.

Por essa razão, não é muito incomum o autor aguardar a incidência das “astreintes” por longo período para promover a execução por quantia certa.

Tal fato foi alertado pelo doutor Guilherme Rizzo Amaral como o possível nascimento da chamada “indústria das astreintes” (AMARAL, Guilherme Rizzo. As Astreintes e o processo civil brasileiro. cit., p. 240).

Para evitar o nascimento do citado fenômeno, cabe ao magistrado observar, além do princípio da efetividade jurisdicional, o princípio que veda o enriquecimento injusto ou desproporcional do autor.

Para os autores que criticam a sistemática atual, ao reverter o crédito das “astreintes” para o autor, resta clara a presença do enriquecimento injusto ou desproporcional.

Ainda para essa corrente, a multa seria medida de proteção à dignidade e à autoridade do Poder Judiciário, e não a pretensão material do Autor.

Nesse sentido, o doutor Sérgio Cruz Arenhaart entende:

“… Ao defender que o fundamento da multa coercitiva é, somente, o direito material protegido, abstrai-se a função da autoridade estatal e, consequentemente, a proteção que essa autoridade merece (de forma autônoma, frise-se). A redução, como acima se disse, é indevida, porque, na realidade, é a autoridade estatal que é tutelada por meio das técnicas coercitivas e não, diretamente, a pretensão material exposta pelo autor da demanda. De fato, é essa proteção autônoma devida à autoridade do Estado que justifica, por exemplo, a proteção penal dada às ordens judiciais – o crime de desobediência, como se sabe, independe do conteúdo daquele comando, importando apenas a origem pública da determinação. (…). Realmente, se o valor da multa fosse de titularidade do autor, porque ligado à obrigação que protege, como seria possível autorizar ao magistrado dispor desse valor, reduzindo-o (v.g., art. 645, parágrafo único, do CPC)? Como seria viável que impusesse de ofício essa medida (art. 461, § 4º, do CPC)? Poderiam as partes excluir previamente a multa coercitiva em negócio jurídico? As respostas a estas indagações conduzem, inevitavelmente, à separação entre a proteção derivada do direito material e a tutela da autoridade do Estado…” (ARENHAART, Sérgio Cruz. A doutrina brasileira da multa coercitiva – Três questões ainda polêmicas. Disponível em: http://www.academia.edu/214439/A_DOUTRINA_BRASILEIRA_DA_MULTA_COERCITIVA_-_TRES_QUESTOES_AINDA_POLEMICAS).

Diante de tal problemática, a Comissão nomeada para elaborar um novo Código de Processo Civil optou por uma sistemática intermediária.

Com isso, o projeto do Novo Código de Processo Civil prevê que as “astreintes” podem incidir cumulativamente, estabelecendo-se o seguinte critério para sua avaliação: até o valor da obrigação que é objeto da ação será revertida ao autor da ação, e o que exceder a este montante será devido ao Estado.

O objetivo da proposta é claramente obstar o enriquecimento injusto do autor sem deixar que a multa perca sua finalidade coercitiva.

Embora a proposta de reforma seja interessante, certamente questionamentos surgirão quanto aos mecanismos que serão utilizados para tornar efetiva a execução das “astreintes”, seja com relação ao crédito a ser revertido ao autor, quanto ao valor excedente que passaria ao Estado.