Da possibilidade de indenização por danos morais decorrentes de abandono afetivo.

Pode um filho, vítima de abandono afetivo, requerer indenização por danos morais em face de seus pais?

As opiniões são divergentes. Duas correntes travam uma fervorosa batalha, nesse campo. A primeira defende que a questão do abandono afetivo na filiação encontra solução dentro do próprio direito de família, com a destituição do poder familiar. A segunda manifesta-se favorável às reparações pecuniárias, uma vez comprovada a existência do dano moral utilizando, como argumentos, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o princípio implícito da afetividade, bem como o princípio da proteção integral da criança e do adolescente.

Nosso Judiciário vem se manifestando acerca dessa questão, tendo surgido algumas decisões que condenam pais que faltaram com o dever de assistência moral e afetiva aos seus filhos durante o desenvolvimento da criança.

Em 2012, numa decisão inédita, o STJ condenou um pai ao pagamento da importância de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) por abandono afetivo.

Amar é faculdade, cuidar é dever”, disse a Ministra Nancy Andrighi ao garantir a indenização.

Para a Ministra “não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família”. Ainda segundo ela, a interpretação técnica e sistemática do Código Civil e da Constituição Federal apontam que o tema dos danos morais é tratado de forma ampla e irrestrita, regulando inclusive “os intrincados meandros das relações familiares”.

Mas o que vem a ser o abandono afetivo?

Abandono afetivo nada mais é do que a atitude omissiva do pai no cumprimento dos deveres de ordem moral decorrentes do poder familiar, dentre os quais se destacam os deveres de prestar assistência moral, educação, atenção, carinho, afeto e orientação à prole.

Giselda Hironaka conceitua o abandono afetivo como: “[…] omissão dos pais, ou de um deles, pelo menos relativamente ao dever de educação, entendido este na sua acepção mais ampla, permeado de afeto, carinho, atenção, desvelo […]” (2006, p. 136).

Adiante, segundo a lição de Hironaka, “o  dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada.” (1)

Mas como provar o dano sofrido?

Nos pedidos indenizatórios, devem os Juízes valerem-se de laudos periciais elaborados por especialistas das áreas da psicologia e da assistência social, por provas documentais, entre elas Boletins Escolares, fotografias, entre outros, por prova testemunhal, e ainda, pelo próprio interrogatório da vítima de abandono.

Mas como quantificá-lo? Como vincular um prejuízo imaterial sofrido a um determinado valor econômico?

Inexistem fórmulas mágicas e, tampouco, uma tabela de quantificação dos danos causados.

Deve-se ter em mente que essa punição não visa sanar as consequências dos danos sofridos. Servirá, na maioria das vezes, apenas, como uma forma de atenuação. O valor indenizatório poderá ser, inclusive, utilizado para financiar o custo de um tratamento psicológico.

Na visão de Rolf Madaleno, ela funcionaria como “um elemento de apoio ao convencimento do obrigado relutante, que passa sofrer um pressão psicológica”, com o intuito de obter de modo coercitivo o cumprimento da obrigação de convivência, imposta pelo poder familiar.” (2)

Corroborando com esse entendimento, Rodrigo da Cunha Pereira afirma que:

“(…) não é possível obrigar ninguém a amar. No entanto, a esta desatenção e a este desafeto devem corresponder uma sanção, sob pena de termos um direito acéfalo, um direito vazio, um direito inexigível. Se um pai ou uma mãe não quiserem dar atenção, carinho e afeto àqueles que trouxeram ao mundo, ninguém pode obrigá-los, mas a sociedade cumpre o papel solidário de lhes dizer, de alguma forma, que isso não está certo e que tal atitude pode comprometer a formação e o caráter dessas pessoas abandonadas, afetivamente.”

De todo o exposto, extrai-se que a recusa dos pais em prestar assistência moral, afetiva e psíquica aos filhos, configura o abuso de direito que, por sua vez, constitui ato ilícito sujeito à indenização, por violação aos direitos próprios da personalidade humana.

Essa indenização, acima de qualquer coisa, visa não só punir o pai, pelo abandono praticado, como coibir, ainda, outros pais a manifestarem condutas semelhantes.

Fato é que, a simples destituição do pátrio poder, como defende a primeira corrente não pode ser tratada como punição se considerarmos que o pai, além de deixar de prestar assistência emocional/afetivo ao seu filho, deixará, ainda, de suprir com suas necessidades materiais.

Bibliografia:

(1) HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os Contornos Jurídicos da Responsabilidade Afetiva na Relação entre Pais e Filhos – Além da Obrigação Legal de Caráter Material. Artigo Jurídico disponível no site http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc/Giselda_resp2.doc. Acesso em 04 de junho de 2013.

(2) MADALENO, Rolf. A multa afetiva. Disponível no site: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=52. Acesso em 04 de junho de 2013.

(3) PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o Homem: Responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível no site http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392. Acesso em 04 de junho de 2013.

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