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A fungibilidade entre a tutela antecipada e a tutela cautelar: reciprocidade

A doutrina e a jurisprudência não lograram, desde a introdução do instituto da tutela antecipada no Código de Processo Civil, em 1994, estabelecer um parâmetro objetivo e unanimente aceito que a distinguisse da tutela cautelar.

Não há, em termos gerais, uniformidade quanto aos critérios de classificação aptos a diferenciar os institutos.

O que é “antecipar” para muitos autores não passa de mero “acautelamento” para outros; a recíproca é verdadeira.

Em que pese a discussão ser relevante do ponto de vista teórico, passou-se a verificar na prática forense que as incertezas da doutrina a respeito do tema implicaram prejuízos ao jurisdicionado, o qual, ao buscar a tutela jurisdicional, tinha seu pleito indeferido por questões meramente formais.

Examine-se o exemplo formulado por Cassio Scarpinella Bueno: “Um devedor pedia, em demanda que visava à anulação de título cambial, a sustação do protesto perseguido pelo credor, e o magistrado indeferia o requerimento acentuando tratar-se aquela providência de natureza cautelar por ser inviável a antecipação da certeza jurídica, que caracteriza a tutela declaratória, máxime porque a tutela antecipada pode ser revogada a qualquer tempo nos termos do § 4º do art. 273. Em processo cautelar preparatório, o devedor formulava o mesmo pedido de sustação de protesto, e um outro magistrado indeferia a petição inicial por entender que a providência só poderia ser obtida pela antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, a ser pedida no processo de conhecimento, dado o seus alto grau de satisfatividade.”

A fonte da tutela jurisdicional, independentemente da espécie ou da nomenclatura, é a Constituição Federal, a qual, em seu artigo 5º, inciso XXXV, determina que a lei não excluirá da apreciáção do Poder Judiciário ameaça ou lesão a direito.

As dificuldades doutrinárias sensibilizaram o legislador, que, com a Lei nº 10.444/2002, acrescentou o parágrafo 7º ao artigo 273 do Código de Processo Civil, com a seguinte redação: “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”

Criou-se, então, a fungibilidade entre as tutelas antecipada e cautelar a fim de que nenhum jurisdicionado restasse prejudicado pelo tecnicismo exacerbado.

Está disposto no referido artigo de lei que, se o autor pleiteia tutela cautelar como se tutela antecipada fosse, o magistrado deve admitir uma pela outra.

Alguns autores defendem que a literalidade do artigo 273, parágrafo 7º, do Código de Processo Civil não autorizaria iniciativa contrária do magistrado, qual seja, o deferimento de uma tutela antecipada quando o se apresenta ao juízo é um pedido de tutela cautelar.

Contudo, a interpretação literal do dispositivo deve ser afastada.

A fungibilidade ou a conversão do pedido de tutela jurisdicional é providência impositiva ao magistrado e que deriva não da lei, mas do sistema processual civil como um todo, desde a Constituição Federal.

Nessa razão, não é dado ao legislador criar situação que resulte no afastamento da apreciação tempestiva do Poder Judiciário e na conseqüente infringência ao artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna.

Além disso, os artigos 154, 244 e 250 do Código de Processo Civil e o princípio da instrumentalidade das formas deles derivado são suficientes para inibir o entendimento que a literalidade do parágrafo 7º do artigo 273 pode querer sugerir.

O que há de fundamental nesses dispositivos é que a forma do ato processual não pode frustrar o atingimento de sua finalidade substancial.

Em última análise, o que se pretende do Estado-juiz é a prestação da tutela jurisdicional para imunizar uma dada situação de ameaça.

Destarte, desde que a iniciativa da parte tal como formulada seja apta a romper validamente a inércia da jurisdição e conquanto presentes os requisitos exigidos pelo artigo 273 ou pelo artigo 798, ambos do Código de Processo Civil, não há razão para negar o pedido sob qualquer ponto de vista.

O parágrafo 7º do artigo 273, portanto, deve ser interpretado de forma a permitir a fungibilidade ampla e recíproca entre a tutela antecipada e a tutela cautelar.

Bibliografia: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. São Paulo: Saraiva, 2011.

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