De plano, importante estabelecer como premissa que a função precípua do processo é a pacificação social, visando sempre ao alcance da justiça.
Tratando dos desígnios da jurisdição, Cândido Rangel Dinamarco assevera: “o mais elevado escopo social das atividades jurídicas do Estado é eliminar conflitos mediante critérios justos”.
Por sua vez, a pacificação social justa somente pode ser atingida com a atuação da vontade concreta do direito material, consoante assinala José Roberto dos Santos Bedaque: “a pacificação que se visa a alcançar no processo, que corresponde ao seu escopo social mais relevante, depende da correspondência entre o resultado do processo e a vontade do direito substancial”.
Para que o direito material seja corretamente aplicado ao caso concreto é imprescindível que o juiz conheça os fatos, tal como efetivamente ocorreram.
Daí novamente a lição de José Roberto dos Santos Bedaque: “quanto mais o provimento jurisdicional se aproximar da vontade do direito substancial, mais perto se estará da verdadeira paz social. Nessa medida, não se pode aceitar que o juiz, por respeito a dogmas inaceitáveis, aplique normas de direito substancial sobre fatos não suficientemente demonstrados”.
Tal exigência da busca da verdade real é corolário do princípio do devido processo legal, assegurado pela Constituição Federal como instrumento necessário para que o processo possa conduzir à ordem jurídica justa.
A posição aqui sustentada, ao preconizar o máximo esforço do magistrado para a descoberta da verdade real acerca dos fatos deduzidos no processo, revela preocupação com a busca da certeza e com o aprofundamento da cognição, sempre em prol do valor da segurança jurídica.
É indubitável que perquirir a verdade real reclama tempo.
Assim, conforme bem adverte Luiz Guilherme Marinoni, “a tempestividade da tutela jurisdicional e o direito ao processo sem dilações indevidas são postulados relevantes e não podem ser desprezados”.
Segue o processualista paranaense afirmando que “o tempo do processo não pode prejudicar o autor que tem razão e beneficiar o réu que não a tem”.
Aliás, como pondera José Roberto dos Santos Bedaque: “tanto o direito à efetividade do processo quanto o direito à segurança jurídica têm natureza constitucional, pois podem ser extraídos do conjunto de regras que estabelecem o modelo processual brasileiro na Constituição. E ambos se apresentam freqüentemente incompatíveis, pois a segurança pressupõe cognição exauriente e contraditório pleno, o que requer tempo. A efetividade do processo, por seu turno, pode estar ligada à rapidez, pois é comum verificarem-se situações em que a tutela jurisdicional somente é eficaz e útil se for imediata. A harmonização dos valores conflitantes é necessária, visto que ambos são imprescindíveis ao sistema. Não se pode pura e simplesmente optar por um deles, em detrimento do outro. O ideal é procurar prestigiá-los concomitantemente, ainda que de forma amenizada, ou seja, com certo abrandamento. Mas não se pode pensar em soluções que impliquem, eliminação de um deles, sob pena de comprometimento do próprio sistema”.
Como costuma acontecer em quase todas as searas do processo civil, também na interpretação dos efeitos da revelia conflitam as exigências opostas de segurança jurídica – certeza e efetividade do processo – celeridade, a reclamar, nos estreitos limites desse artigo, tentativa de harmonização.
Admitindo como acertada a lição de que tais valores devam ser harmonizados, radicalismos de ambos os lados devem ser rejeitados.
Por desprezar totalmente a busca da certeza quanto aos fatos alegados pelo autor e, dessa forma, comprometer a segurança jurídica para dar exacerbado destaque à celeridade, não se pode acolher a postura exclusivamente técnica de reputar-se verdadeiras as alegações contidas na petição inicial e, ato contínuo, julgar antecipadamente a lide.
De outro lado, não deve o juiz ficar indefinidamente perseguindo a verdade dos fatos, eternizando a duração do processo.
Tampouco se devem incrementar exageradamente os poderes instrutórios do juiz, sob pena de degenerá-los em inquisitoriedade e autoritarismo.
Na esteira do magistério de Umberto Bara Bresolin, não vejo outra alternativa senão o equacionamento de tal problema em função do racional convencimento do juiz em cada caso concreto, em que pese o subjetivismo.
Acaso revel o réu e, sobretudo, se o juiz considerar os fatos alegados pelo autor verossímeis e suficientemente demonstrados (em regra pelos documentos que instruíram a petição inicial), não há que se realizar instrução probatória na busca de uma certeza muitas vezes intangível, em inadmissível prejuízo à celeridade.
Caso contrário, ausente a prova para formar sua convicção com um mínimo de segurança, e mormente se presentes elementos que o coloquem em dúvida sobre a versão fática apresentada pelo autor, o juiz deve determinar a realização de instrução probatória em relação aos fatos aduzidos na petição inicial, ainda que isso retarde a prestação da tutela jurisdicional.
Dessa forma, parece ser possível preservar a busca da verdade real com um eventual, mínimo e justificável prejuízo à celeridade.
Bibliografia:
Carlos Rangel DINAMARCO. Fundamentos do processo civil moderno. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
José Roberto dos Santos BEDAQUE. Poderes instrutórios do juiz. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
Luiz Guilherme MARINONI. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
Umberto Bara BRESOLIN. Revelia e seus efeitos. São Paulo: Atlas, 2006.
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