Tal instituto caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu respectivo patrimônio social, responsabilizando a pessoa jurídica por obrigações dos sócios.
A desconsideração inversa da personalidade jurídica – de inspiração norte-americana -, é plenamente admitida nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial pátrios.
Fábio Konder Comparato foi quem primeiramente se debruçou sobre o tema:
“Aliás, essa desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no sentido da responsabilidade do controlador por dívidas da sociedade controlada, mas também em sentido inverso, ou seja, no da responsabilidade desta última por atos do seu controlador. A jurisprudência americana, por exemplo, já firmou o princípio de que os contratos celebrados pelo sócio único, ou pelo acionista largamente majoritário, em benefício da companhia, mesmo quando não foi a sociedade formalmente parte no negócio, obrigam o patrimônio social, uma vez demonstrada a confusão patrimonial de facto.” (O Poder de Controle da Sociedade Anônima. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 37)
José Lamartine Corrêa de Oliveira também lecionou acerca do instituto. Eis o elucidativo exemplo importado pelo jurista do direito norte-americano:
“First National Bank of Chicago v. F.C. Trebein Co., um certo F.C. Trebein, devedor insolvente, constituiu com a mulher, a filha, o genro e o cunhado uma pessoa jurídica a que transferiu todo o patrimônio. Das seiscentas quotas da sociedade, somente quatro não lhe pertenciam pessoalmente, pertencendo à mulher e aos parentes mencionados. A Corte decidiu favoravelmente à pretensão dos credores de Trebein, que desejavam executar o patrimônio da sociedade, que esta era em verdade o próprio F.C. Trebein sob diversa forma e que a fundação da sociedade e a transferência a esta do patrimônio do devedor era, no caso, tão pouco relevante quanto seria o fato de o devedor mudar de roupa.” (A Dupla Crise da Pessoa Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 275)
Ainda na égide doutrinária, Nancy Andrighi, em palestra proferida na Faculdade de Direito da UNICEUB, discorreu sobre a desconsideração inversa da personalidade jurídica:
“Aponta ainda a doutrina outra hipótese de desconsideração: a inversa, por meio da qual desconsidera-se a personalidade jurídica da pessoa natural para atingir o patrimônio da pessoa jurídica de quem aquela é sócia. Nessa modalidade, ao invés de o sócio esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica para fraudar terceiros, ele esvazia o seu patrimônio pessoal (enquanto pessoa natural) e o integraliza totalmente na pessoa jurídica. Após esse artifício, o sócio, pessoa natural, cujo patrimônio restou esvaziado, exerce a atividade comercial (objeto social da pessoa jurídica) em seu nome próprio, e não em nome da pessoa jurídica, com o nítido intuito de fraudar terceiros. Aqui a hipótese é inversa, isto é, se desconsidera a pessoa natural e se desconsidera a personalidade da pessoa jurídica pelos atos praticados por seu sócio.” (http://bdjur.stj.gov.br)
A jurisprudência não diverge acerca da possibilidade de se desconsiderar inversamente a personalidade jurídica.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu que:
“DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA. ANÁLISE DOS REQUISITOS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ.
1. O Tribunal a quo, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, entendeu que estavam presentes os requisitos autorizadores do decreto de desconsideração da personalidade jurídica. Incide, no caso, pois, o óbice do enunciado n. 7 da Súmula do STJ. Precedentes.
2. A aplicação da chamada ‘desconsideração inversa’ da personalidade jurídica é admitida pela jurisprudência do STJ. Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido.” (STJ-4ªT., AgRg no Recurso Especial nº 1.096.319-SP, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 26.02.2013) (grifos nossos)
Antes de encerrar, de se destacar os ensinamentos de Maria Helena Diniz acerca dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil:
“Pelo Código Civil (art. 50), quando a pessoa jurídica se desviar dos fins que determinaram sua constituição, em razão do fato de os sócios ou administradores a utilizarem para alcançar finalidade diversa do objetivo societário para prejudicar alguém ou fazer mau uso da finalidade social, ou quando houver confusão patrimonial (mistura do patrimônio social com o particular do sócio, causando dano a terceiro) em razão de abuso da personalidade jurídica, o magistrado, a pedido do interessado ou do Ministério Público, está autorizado, com base na prova material do dano, a desconsiderar, episodicamente, a personalidade jurídica, para coibir fraudes e abusos dos sócios que dela se valeram como escudo, sem importar essa medida numa dissolução da pessoa jurídica.” (Curso de direito civil brasileiro: direito de empresa, vol. 8. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 542)
Indubitável, portanto, que o ordenamento jurídico pátrio encampa a teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica.